18.6.10

A ARTE POPULAR VESTE SUA ROUPA DE DOMINGO

The text bellow was originally posted in english at Crafthaus.
O texto abaixo foi postado originalmente no site Crafthaus em ingles.


Herança herdada de uma tradição cristã (que imagino no Brasil ser de origem portuguesa e italiana) a roupa de domingo é aquela com a qual se vai à igreja, ao passeio, à festa, fazer visita, etc. Resumindo: é aquela roupa diferente da roupa usada no dia-a-dia e para o trabalho. Para aqueles que usam uniformes ou realizam trabalhos pesados isso significa caprichar, enfeitar, melhorar a aparência. Seu significado também pode vir acompanhado de uma associação com falta de recursos, uma vez que é uma roupa especial, não se têm muitas como ela. Já para os que hoje trabalham de gravata trata-se da permissão para um visual mais descontraído. Entretanto, seja qual for o caso, a Roupa de Domingo pertence à esfera do invulgar.

Eu estou mencionando isso porque visitei a exposição "Roupa de Domingo na Arte Popular." Trata-se de uma mostra idealizada por Fernando Zelman e Renato De Cara que busca aproximar a cultura da moda com diferentes gêneros de expressão, relacionando-a com artes plásticas, design e fotografia. A iniciativa tem a intenção de resgatar ou valorizar o histórico hábito de reverenciar a vestimenta de domingo. Ao inserir a arte popular neste contexto a proposta promove um rico debate em torno das relações entre esses campos.

A arte popular é intuitiva e trata de valores locais, apresenta temas do imaginário, da vida social e do cotidiano regional através de técnicas e linguagens que exprimem o ponto de vista de indivíduos cujas experiências de vida são muito distintas da cultura urbana.

“No Brasil, costuma-se chamar de “arte popular” a produção de esculturas e modelagens feitas por homens e mulheres que, sem jamais terem freqüentado escolas de arte, criam obras de reconhecido valor estético e artístico. Seus autores são gente do povo, o que, em geral, quer dizer pessoas com poucos recursos econômicos, que vivem no interior do país ou na periferia dos grandes centros urbanos e para quem “arte” significa, antes de mais nada, trabalho.”

Nas peças expostas é possível observar diferentes modos de apropriação do tema “Roupa de Domingo” e o forte poder de comunicação da arte popular que também serviu de inspiração para os artistas com formação acadêmica.




Alguns representantes da arte popular se mantiveram fiéis à idéia de domingo como um dia especial e ao imaginário relacionado a ele. A interpretação desses artistas, cujo trabalho é mais figurativo, vai do próprio ato do vesti r - onde personagens são adornados com colares, brincos, relógios e bolsas - até a construção de situações e cenários de passeios, brincadeiras, jogos, casamentos, coisas para fazer no domingo. É  caso das bonecas ornadas na própria técnica da argila, como faz Zezinha, da adição de acessórios industrializados, como fez Vieira e das cenas em miniatura apresentadas no trabalho de Mariliete.
Os trabalhos de Elieni Tenório e Espedito Seleiro também se destacam por sua abordagem da temática. Tenório nasceu muito distante dos centros urbanos, em Mazagão – Amapá. Seu trabalho, porém apresenta uma grande aproximação com o contexto da arte contemporânea, apesar de sua origem popular. É o resultado de sua passagem pelo curso de extensão no Laboratório de Pesquisa de Artes Plásticas na UFPA - Universidade Federal do Pará.






Seleiro é mestre nas artes do couro e trabalha num ateliê na pequena cidade de Nova Olinda, no sertão do Cariri, permanecendo fiel ao oficio que aprendeu de seu pai, que herdou de seu avô. Não obstante suas peças transitam entre arte, design e moda, sem perder sua força num ou noutro campo.

A maestria técnica e a linguagem direta das peças de arte popular contrastam com a abordagem conceitual do contemporâneo, levando o pensamento para as fronteiras que separam ou unem esses campos.  Será que esse diálogo através de diferentes mídias promove uma contaminação mútua? Ou revela-se nossa atual condição de múltiplos e globalizados?

O conceito da exposição e os trabalhos apresentados me fizeram pensar sobre os diferentes modos como se constroem as relações postas em debate. Se pensarmos sobre as dimensões do país e as diferenças que resultam dela pode-se dizer que a arte popular é muito mais reverenciada nos lugares que têm um espírito regional ou um apelo turístico. Já aqui na cidade de São Paulo há muito preconceito em torno da arte popular e de práticas artesanais e vemos com esta iniciativa a necessidade e o desejo de reconhecimento e valorização dessa produção que expressa os elementos da identidade nacional. Essa é uma abordagem diferente da troca tão comum que se estabelece entre o contemporâneo e o regional como simples estratégia comercial.

 A busca de técnicas e recursos de estilo regionalista tem sido utilizada como um recurso para enfatizar o design - sinônimo de contemporâneo - e colocar o artesanato e a arte popular como algo de menor valor, uma referência ou inspiração, banalizando o seu legado histórico. De fato percebemos que existe uma necessidade urgente de pensar as relações promovidas pela contaminação entre os campos nos dias de hoje, destacando o contraste entre o bom e o mau uso do nosso vasto repertório cultural.


postado por Ana Paula de Campos.

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