6.11.10

Cooking Crystals Expanded


Para quem quiser conferir ao vivo um trabalho de Tunga, não perca esta oportunidade.
Encerra-se hoje a exposição Cooking Crystals Expanded.  Esta instalação esteve na Bienal de Moscou e foi remontada em São Paulo na Galeria Millan com algumas alterações.

Vou narrar aqui minhas impressões extremamente pessoais dessa visita.

Já no corredor que dá acesso à principal sala da galeria no térreo, há uma vitrine com uma bandeja: um líquido amarelo contido em um recipiente de vidro e que tambem transborda da bandeja. Nela também há algo que parece âmbar, um cristal e um minério de ferro. Voce já começa a se perguntar qual a relação entre esses elementos...

Entrando a direita na grande sala do térreo, uma peça de parede: dois volumes quadrados vazados lado a lado, com pedras pretas (imãs?) os preenchendo e deles saindo peças de ferro que serviam como elemento de ligação até dois cristais de rocha grandes, envoltos tambem em fios de ferro. Cada um a uma distância do chão e criando uma tensão.  A duplicidade dos elementos, as interligações me levaram imediatamente a fazer correlações com o corpo. Não o corpo externo, mas o interno, com seus orgãos interligados por articulações e ligamentos, o movimento de uma parte criando tensão na outra.

Na mesma sala uma outra peça onde se veem vários vidros. Os vidros me parecem híbridos, pois evocam por um lado decanters de vinho, e por outro erlenmeyers.  Alguns contem um líquido amarelo. Se ao ver a bandeja no corredor antes de entrar na sala, eu havia associado o líquido ao azeite, após a primeira peça a associação com a urina fica inevitável.... Cada um daqueles recipientes como um néfron cumprindo seu papel de manter um equilíbrio muito delicado, na iminência de entrar em um colapso. Os frascos de vidro estão firmemente amarrados pelas mesmas estruturas da peça anterior, mas seu arranjo (alguns com a boca para cima, outras para o lado e outras para baixo) cria uma instabilidade perturbadora. Tudo isso é suspenso por esses cabos de ferro finalizando numa estrutura que lembra a de um marionete.

foto: Aglaize Damasceno

Subindo ao segundo andar, uma grande revelação, uma surpresa visual pois todo o espaço esta tomado por uma instalação com redes onde os mesmos vidros estão contidos. Além deles despontam cristais de rochas e formas que lembram fezes. A interligação continua sendo feita pelos mesmos elementos de ferro, assim como em uma corrente. A disposição dos elementos me faz sentir dentro de um organismo com orgãos se interrelacionando para manter a dinâmica da vida.

Os sentido de tudo parece estar se completando nessa minha experiência, mas ainda há mais.




Ao fundo da sala, sai um som: é o video de 14 minutos onde um casal, em uma sala com uma instalação como a que vemos se encontra e realiza um ritual de transmutação completo. Novas compreensões são possíveis agora. O cristal de rocha é o falo, que se dissolve no gozo, é digerido e excretado. Em pedaços, é novamente digerido e renasce completo, fechando um ciclo. O casal interagindo revela uma mistura de escatologia, erotismo e amor. Como afirma Antonio Gonçalves Filho: " Tunga e Santo Agostinho lembram que nascemos entre fezes e urina".



Um trabalho de arte quando é bom ajuda expandir a sua percepção e evoca tantas outras coisas. Entre tantas sensações, lembranças e sentimentos enquanto visitava essa exposição,  também outras obras me vieram a cabeça. A instabilidade dos frascos de vidro na obra "Le Défi" de Louise Bourgeois.  Os cristais de rocha me lembraram as vassouras de Marina Abramovic. Vendo o video,  voei até o Cremaster Cycle de Matthew Barney.
 


 




E também me lembrei do trabalho de Nanna Melland, com a ambivalência da beleza de '687 anos', o colar feito de Dispositivos Intra Uterinos recolhidos e usados pela a artista fazer seu comentário sobre uma possível visão do amor.

 

Ao final dessa experiência, fico pensando no que vi: metal, cristais de rocha, âmbar.  Articulações em metal servindo como conexões. O corpo presente como um corpo de dimensões expandidas onde o interno é escancarado com seus líquidos e excreções.

O mesmo corpo e materiais que a arte-joalheria vem explorando e resignificando principalmente a partir dos anos 60. O corpo como suporte, plataforma ou assunto. 

Video, foto, desenho, pintura, gravura, body-art, wearable-art, jóia. Quer escolher um nome para isso tudo?  

postado por Mirla Fernandes

4 comentários:

  1. Mirla
    Não esquece de enviar para o Tunga o link deste Post.
    Ficou óptimo,
    Merci, Cristina

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  2. Nossa! quantas sensações...é sempre bom vêr leituras diferentes do senso comum, melhor ainda é poder interagir com esses elementos e compartilhar conosco.

    Bjs neste coração bondoso.

    Bia.

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  3. Hummm, acho que vou aproveitar o email e fazer uma mini entrevista...

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  4. Excelente, Mirla. Fiz uma pequena viagem mental- e sensorial!- ao ler o teu texto!A conexão que faz entre esta exposição e a joalheria é muito pertinente.
    Aguardamos a entrevista!
    Beijos,
    Dani

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